terça-feira, novembro 07, 2006

12.Dulcineia.

O galo canta nas bordas do universo. Laura chega ao Deck. Luis ainda não a viu. Quando Luis vê Laura, é o mesmo que um sonho duplo, é justapor imagem e objeto, estando acordado. Um sonho materializado, que se não resultasse perfeito seria um realismo dispensável. E para ser tanto! O que tem Laura? Além de um nariz pessoal, lábios um tanto carnudos, dentes brancos e grandes e lá dentro da boca um tom de vermelho rósea de vitela, um tanto para o inverossímil e o cabelo acastanhado claro, que quando presos nos dias de verão. Por sorte são tantos os dias de verão, ainda que julguemos insuficientes. Os seus cabelos presos. Diz Luis e não se farta de repetir, caprichosamente desmelenados e as madeixas escapulidas do torcido amarrado grudadas a pele da nuca por algum suor cheirando a cashemere pour homme, tem Luis invariavelmente o desejo de morde-la toda, ainda que não esteja naquela meia hora de pele que todos um dia tivemos. Que mais? Sim Laura tem um certo humor dado a um tanto de perfídias, às vezes mente sem sinceridade, e é por isso irrepreensível. Luis decanta sua elegância, por ser muito pouco inclinada ao mal-dizer e a uma certa fuga caprichosa, como se caíssem os disjuntores da percepção, elegantemente intocável. Laura gasta energias sem paixão, pelo atlético próprio. Para Luis uma mulher perfeita deve ter inclusivamente defeitos, e ei-lo: Ela é prudentemente imprudente. É isso, um alvo efetivamente móvel num game infinito. Capaz de safar-se com calma dos imbróglios em que se mete. Luis a estuda pacientemente à caça do golpe que fosse fatal ou antes fosse uma saída. Ausfahrt. Qualquer saída duma Autobahn também qualquer. Pior de tudo é que Laura é um ideograma em Beijing, e Luis analfabeto em mandarim está perdido indo para Minas. E sabemos o resto. Então se esquece das pequenas audácias. Luis a quer toda, ela tem os olhos possuidores duma tristeza de expressão profunda, açodada, esquecida. Luis entrou e talvez se deparou com coisas terríveis e ficou com igual olhar. A ver se sai!
Laura consegue pegar Luis distraído ouvindo galos, olhando periscópio, velando e bebendo o Atibaia. Laura tapa-lhe os olhos.


...Tô no poço!
Quem te tira?
É meu amor!
Com o que?
Um beijo e um passeio.


Luis entra na brincadeira e perscruta, tateia, cheira, tentando em meio a um amontoado de informações desvendar quem lhe tapa os olhos. Pela cicatriz e seus dedos longos! É Laura. No entanto o perfume ainda que melhor que o velho conhecido da memória é outro. Quase se irrita com o próprio desesquecer. Relaxe diz de si para consigo, vamos brincar.
- Minha eterna namorada! Disse o cabra-cega.
- Não! Bobo. Sou namorada de ninguém não.
- Bobo não, babão e como tal sou ninguém e não, e você trocou de perfume, Laura?
-Sim, e não te agrada?
-Agrada, mas isso não se faz.
-O que não se faz? Você, o eternamente insatisfeito!
-Perfume é coisa séria, uma mulher como você realmente elegante deveria manter a fidelidade ao sempre mesmo perfume.
-De onde você tirou isso?
-É uma antiga regra francesa.
-Não estamos em França.
-E porque usa perfumes franceses?
-São os melhores.
-Respeite uma regra e há de respeitar todas.
-Diga-me Luis da Silva de onde tira tudo isso?
-É um erro do encadernador. Trata-se da historia de um negro com aparência de branco, um sedutor que matou a namorada branca, para vingar a morte do irmão negro, matado por brancos.Boris Vian me fez acreditar que ela não percebe que ele é negro.
-E você me matará?
-A seguir o enredo do plágio, teria que a creditar que sou negro, e antes teríamos que ser namorados e fazer muitas coisas saborosas antes da morte que é o prato principal, mas jamais te mataria, em pior hipótese você é meu refúgio.
-Por que isso agora?
-Não sou tão mal quanto pensa. Digamos assim um certo mal benigno.
-Diga-me Luis do Benigno-Mal, que coisas tão más, que boas e saborosas podemos fazer? Que não tenhamos feito.
-Dançar um choro, por exemplo, não danará a tua vida e no mais nunca dançamos. Se aceitar, dancemos!
- Sem afetação? Aceito.
Um selo e ao pé da mesa um dançaram suavemente, Rosa.
-Você ainda não aprendeu a dançar. Disse Laura.
-E quem te disse que há uma forma de dançar?
-Existe Luis. Cada atividade humana tem sua estética.
-A estética do que existe! Será imutável?
-Luis devo ir, você continua o mesmo e quer… deixa pra lá. Disse Laura.
-Você está sempre indo! E fico só com sua Má Lauria! E minha febre não arrefece.
-Luis isso já perdeu lá a sua graça! No mais marquei com amigos um passeio de baique pelas trilhas de Joaquim Egidio e eles estão me esperando, passei só pra falar um “oi” pro Wirto, você está no lucro. Maluisco! Eu volto. Falou com um riso plácido entremeado de possível escárnio e lança uma semente de esperança, tantas vezes semeada, e igual número vezes esturricadas na própria aridez.
- Você é a concha que carrego pra não ter que voltar. Disse o caracol com sua casa interior.
- Você é ótimo encenador, Luis, mas o que haverá depois do ardil?
- É Laura, ruim seja quem se toma ruim, veja que foi você quem me disse isso há tempos atrás. Disse Luis revolvendo páginas quixotescas.
- Esqueça, são páginas viradas, meu querido. Disse Laura.
Luis vê o passado rindo, dando adeus ao futuro, é uma perfídia roubar ao coitado os estoques de manutenção para que não vá adiante nem em sonhos, então ele luta.
Esquecer nunca! Toca é baralhar as cartas. Tenho mesmo que melhorar a abordagem, Luis ia dizer isso, mas não seria no bar em meio a tanta gente, que se poderia construir alguma coisa com Laura, haveria de ser em segredo quase casto, a dois quando se tenta embalar o sono, ou em qualquer lugar onde pudesse tira-la do mundo, ou onde este não fosse mais que uma possibilidade do pensamento. Aqui no bar com este alvorotar de olhares, onde ela goza com esta sensação e assim vestida informa aos interessados que está para o mundo, mas não disse, ao contrário, disse Luis.
- A menina virou frasista? Respondendo a ultima fala de Laura.
- Você vê? Disse Laura um tanto coquete.
Laura com seu short justo de ciclista, seus cabelos meticulosamente descompostos, uma visão inesperada de uma mulher elegante e por isso ainda mais sedutora, deu mais um sopro na chispa e retirou-se rumo ao estacionamento e Luis resta-se escangalhado. Remoendo perfídias em forma de maçã e peixinho-dourado. Escangalha o último choro dançado. Que se ainda fosse o ultimo tango, escangalharia. Refazer? Inútil pergunta. Mas por que me beijou? Será pena? Ou será uma boa e lenta e terna vendeta?