- E ai Belmiro? Pergunta Zénão com ouvidos moucos ao prantear, no que Belmiro se lança na narrativa do visto na rua Maneco Rosa.
- As águas do ribeirão das Cabras estão quase na altura da ponte e numa velocidade de dar medo. Noticía Belmiro.
- Então é isso! Luis intrometido. Interrompe. Define. Essa água do ribeirão das Cabras é causadora desta exabundância do pacato Atibaia.
- Como Luis? Um riozinho entanca o Atibaia? Ignoram.
- Como? Já não cogitando o que não se cogita. Mas...Explico diz Luis.
- Então explique J.J. Belmiro fazendo graça. E sem explicar nada Luis levanta-se e vai a casinha.
E sabe o que aconteceu querido leitor? O ribeirão foi-se enchendo, ora lentamente, ora de borbotões turbilhonados, e o povo ia avançando por locais já não permitidos pelos bombeiros, chefes de ocasião, PMs, defesa civil ou puramente sensatos que todos por fim são. Alguém gritou que acabara de passar uma cadeira arrastada por um vagalhão que arrasou o bar do Zé do Cleto, e os objetos foram se nomeando e enumerando, de todos os tipos e razões de uso e desuso e por fim todos acabariam e acabaram por ter no leito do ribeirão sua campa ou boiando como as tábuas do cantor, quando ali todos achassem, e achavam, pensassem e pensavam, cogitassem e cogitavam, veio uma pororoca pelo ribeirão que os que viram a onda davam-lhe dois metros, metrimeio e que os que não viram foram por ai aumentando-a na nostalgia de não a terem visto, proporcionalmente à distância que estavam do fato.
Fato é que depois desta onda a pontinha ficou coberta pelas águas esguichando enfurecida como um gêiser e a ruazinha que nela dava, tornou-se um sonegador de águas com força de corredeiras, e uma parte desta água toda seguia com força em direção da ponte pênsil que cobre o Atibaia e que por ali um dia passaram as tropas constitucionalistas que vinham desilhar dos mineiros os sousenses de antão e agora e dela as águas caiam numa cortina escura sobre o estancado Atibaia que parou por ali e foi se enchendo, pois sabia de memória o seu caminho natural de descer sempre descer, mas desta vez encontrara o sanhudo ribeirão, hoje um pedreiro desconstrutor.
A devaricada batia na parede da casa em frente formando um imenso rebojo e ia com velocidade até a pastelaria onde equânime democrática formava um mangue e a calmaria do plenilúnio, com sua maré foi ilhando casas, pessoas, umas sós outras em cardumes. A velhinha da casa verde saíra de sua casa e tinha sua própria ilhazinha com quatro hastes de coqueiro em meio à turgidez da sizígia e tudo defronte a pizzaria Fidúcia. Ela estava infeliz e fazia sinais, e gritava um grito inaudível dado o som de cachoeira do defluente do ribeirão. Mas não dava para resgatá-la, a rua rio defluente arrastaria quem quer que fosse. Surgiu uma corda, e um policial que por hora não podia capturar essas águas fugidias há muito presas e escravizadas em represas e açudes particulares a melhorar paisagismos de condomínios lá pros lado e para além destes lados de Joaquim Egidio. Amarrou a corda no poste e jogou a outra ponta da corda para o pizzaiolo, também ele ilhado, que a amarrou no pilar da varanda da casa que por agora não tinha mais o endereço Maneco Rosa 21 com todessa água tinha condições geográficas de ilha, a ilha da casa avarandada.
Corda tencionada o policial meteu-se com técnica a atravessar o defluente, colocando-se à corda de tal forma que a correnteza do defluente não lhe puxasse e sim lhe empurrasse contra a corda tencionada. Cruzou a correnteza, sob aplausos da angustiada multidão e agora em águas calmas do pequeno mangue que ficava em frente da igrejinha de São Sebastião. Movia-se perscrutando o chão invisível lentamente arrastando os pés no submergido e desconhecido fundo que de memória também sabemos ali havia um banco de praça um hidrante uma roseira? Não!
Roseira não havia! Podia haver se houvesse vindo lá de onde toda essa água havia fugido com as marcas de quem começa fugir no começo da tarde e segue varando cercas rasgando roupas e peles rolando pelo chão quais escravos de uma outra época, pois os desta época não se sabem como tais com seus tíquetes qual feijoada e seus casebres senzalados, sempre a beira-rio, agora com o acréscimo de vantagem, inundáveis de lama fertilizadora.
A filha da senhora da ilha dos três coqueiros chegara de Campinas em prantos de quem perdera a casa, o cachorro, a mãe. - Perdi tudo! Tudo que tinha.- Tudo dito em prantos. Nascida e vivida para a tragédia aguada, rasteira e estúpida, que na televisão se lhe fez parecer assim ser, e agora a telespectadora à imagem e semelhança da sua atriz favorita. Tem medo. E há uma quase alegria trágica desta não divulgada opereta, mas continuava sua lamúria esperançosa de um subir o pano.- Deus! Meu Deus tenha pena de mim e me ajude -. Seguia a lengalenga sem se dar conta do de-fato. Mas os aplausos que a consolariam, vieram para o policial que agora tinha nos braços, como quisera o poeta, dona Ísola, salvada assim nupcialmente, sorrindo as lágrimas do medo, do desamparo.
-Ai minha mãezinha! Começa assim.
-Ai iai ai minha mãezinha. Seguia assim.
Tirania. E o polícia vencendo o mangue recente dessa tragédia propalada diariamente com a obrigatoriedade de uma cruz que muda de ombros que acabam por ser sempre os mesmos. Sem cunhar sabedoria. Nilo, Tigre e Eufrates.
Um dia aqueles açudes romperiam e romperam. Luis da Silva Neto, a cada passada por essa praça planeara um festival de teatro, a vocação do velho casarão com sua janela rapunzeica, o terraço balaústrico, seus tijolinhos veronenses. Dizia Luis o mesmo do coreto ali a beirinha do Atibaia, que lhe cortara o outro semicírculo dos outros todos coretos, e por uma razão escapou à lógica ao que este arquitetou. Impedindo-o de exercer sua vocação de ser essencial e talvez por isto permaneça lá isolado deste teatro comunal, onde o palco central fora à ilha dos três coqueiros.
Ísola e o polícia teriam agora de enfrentar a corda e o defluente do ribeirão para poder alcançar a terra firme da calçada do Correio e Telégrafos alvorotada de gentes, o louco agora sentado no espaldar do banco, batia com o graveto na água achocolatada, mercapta, à sua volta fazendo ondinhas. A corredeira exigia do policial que seus passos fossem cada vez mais curtos e que os seus pés cada vez menos subissem do chão, suas canelas em movimentos fortes sim, mas sim também inseguras eram duas quilhas de um único barco singrando a corredeira. Enfim a corda. Queria ajuda, e houve uma tentativa, um bêbado, bebera para além do medo para além dos portos seguros, mas não se precaveu e agarrou-se à corda do lado vazante e no segundo passo a força da correnteza tirou-lhe o pé do chão e ele flutuou agarrado com mãos inseguras, logo a corredeira arrastou para seus pés seu moletom, desvestindo-o, lavando-o, sentiu vergonha, nunca medo. Soltou uma das mãos para tentar puxá-lo e vestir-se, a operação durou pouco e ele nem conseguia por fim se vestir e segurar à corda, chupado pela correnteza, foi arrastado pela devaricada de costas como convém aos homens, bateu na parede da casa em frente passou pelo rebojo e continuou sendo arrastado até a pastelaria. Ali em águas calmas democráticas, sentado, descorçoado com águas até o pescoço vestiu-se assim. Levantou-se com um certo júbilo e cai estando meloso e ágil batia mãos e pernas tentando nadar, e nada, só fez em roubar a cena do Policial e de Isola.
-Ele vai morrer. Acudam este homem pelo amor de deus. Gritou em uníssono o povaréu.
- Braçadas e pernadas. O bêbado fez.
- Meu Deus. O povaréu.
- Levantou-se como quem tropeça. O bêbado
- Hahaha. O povaréu.
-Caiu de boca. O bêbado.
-Hahaha. O povaréu.
Levanta-se como quem faz flexões, já num lugar mais raso e a boca cuspindo lama, ou vomitando, nunca se saberá. E nisto já ia a meia corda uma heroína.
- Hum! Camiseta molhada. Murmura um grupo. Enquanto nossa heroína chega até aos protagonistas. Confabulam.
-Que tanto cochicham? Os curiosos do mesmo grupo.
Parece que o Policial não aceitou a ajuda oferecida, prevendo que lhe faltassem braços à travessia. Falou qualquer coisa com Ísola, passou da posição de tê-la nos braços, pré-nupcial, para algo mais desconfortável, primitivo, agarrada junto às ancas, no entanto mais segura, passou por baixo da corda, mantendo a técnica e com a outra mão segurou-se a corda, enquanto passava navegando um tamborete, que foi parar junto ao bêbado que espirituosamente nele sentou-se.
-Hahaha. A galera.
- Óóóóóó...Ó. quando falseou o passo o Policial. E tudo seguia perfeito no mais absoluto improviso, se algo sólito advém de telenovelas e Hollywood.
-Hahaha. Em derrisão alaria um filho de Deus.
No que o bêbado se sentava sobre banquinho e equilibrando-se cruzou as pernas ergueu os braços aceitando o riso e a chacota e algumas palmas numa fina estampa.
O Polícia chega a porto seguro com sua Ísola às ancas. Sob ehês, e clap clap.
terça-feira, dezembro 12, 2006
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