A chuva segue caindo forte.
- O Atibaia está subindo ou é impressão minha?
- Também isso ai não é chuva, é tromba d’água. A água ficará maior que o rio. Responde Luis!
-Olha isso ai! Zénão espantado com o rio enchido. O rio subiu mais de metro. Chove amazonicamente como previsto. O Atibaia muito já encheu. É deslumbrante o volume d’água barrenta que desce. E mesmo um exímio remador subiria por essa água toda, dá mesmo gosto de ver, ainda que resulte numa mistura de medo e admiração, tamanha a força do rio. Parece uma escola de samba entrando na Sapucaí, ocupando todos os espaços, mas nem tudo é beleza, tem lixo. As sobras dos piqueniques que andavam subtraídas agora estão somadas. Quem terá bebido daquela garrafa de coca-cola de dois litros de plástico. Pareço o Luis tentando adivinhar de onde vêm os copos. Voltando a garrafa de pet cola que bóia com uma mensagem dentro onde o destinatário e o remetente é o mesmo. Eu! Você!
E uma gotinha simpática, transparente, destilada espatifa-se no untuoso águas-claras, foram-se os índios e os seus nomes às coisas permanecem ainda que tenham perdido, o sentido , a forma, a cor.
-E Laura que não volta! Diz Luis.
-É! E você sempre otimista.
-Que fazer?
-Descrê.
-Melhor é mudar de assunto.
-Mudado.
Luis não crê na pureza das intenções, acredita serem uma soma de sombras claras gerando uma mais escura.Como não fazemos filosofia, porque a filosofia descreve com palavras o que se pensa atrás do que se é ou se pensa ser, não os adornos ou fingimentos, fazemos letras e as musicamos onde a melodia e o ritmo completam a deficiência da letra expressadora do pensamento. Luis filosofa para seus rins, pâncreas e adjacências anais.
- Você está enganado penso que fizeram poesias. Diz Zénão.
- Quantos anagramas tênhêm...? Demanda Luis.
- No falo, No lofa, Fa lono, Lo fano, La fono e todas outras. Mas não é por ai!
- Olha o rio encheu mais. Refala Zénão.
- É capaz de chegar à terceira margem.
- Impressão tua! A terceira margem é para poucos.
- Um mineiro. Só é... diz Luis sem completar entrando no labirinto rio estufado rente profundo e insaído olhava não olhava de poder por mão não punha de tanto medo que não tinha de saber mesmo que nem era que descia ficado cheio ali à mão do rio não estendida sem querer levar de ficar ancorado ali nem me esquecia de tanta lembrança mais subia mais bulia comigo tirando margem pondo rio na deserta siliagem que plantei vida inteira pior que havia sem saber ele vive em si próprio quando entra igrejinha adentro pensando de fazer bondade até desanima de não ver a imbuia pensa os afogados fazem festa a ele ai se anima e enche mesmo sim e desborda.
- O álcool é que chega a terceira margem e chega e vaza. Diz Luiz em resposta a resposta de Zénão.
- E o álcool Luis?
- O álcool? Dou-me muito bem com. Ora domínios, ora dominado. Derruba-me, faz-me um bêbado que rasteja à sarjeta. Sempre uma relação discutível. Mas também tem o prazer da bebedeira, onde os contornos e arestas não são tão rígidos. Desobriga. Restando a brincadeira, a fantasia.
- Que fantasia? Se você só pensa na Laura?
- Não, esta é uma conseqüência da intertextualidade da fantasia, Laura é meu ponto de partida por sinal adorável, transformei-a numa jóia rara, dupla e maldosa.
- E a bebida em si?
- Sim o ritual, o copo de chope não é maravilhoso?
- Nem tanto!
- Então imagina uma pinga de salinas num copo pequeno cheio até a boca, ai você coloca uma palha de cana nesse líquido mergulhada sobrando uma parte para fora, então você faz uma oração assim. Óh granda filha da puta, granda patifa, marvada cana, que diante de mim volátil teimosa forma saliva na ponta e embaixo da língua que antes de ti beber já bebo e que neste infinito desejo qual reconheço minha impotência no resistir dou aos santos prego-lhe fogo na palha que você apagara com seu fogo a me incendiar. Que tal?
- Pode ser, há o fato de o padre erguer o cálice de vinho, tecer loas em latim, e bebe-o qual sangue de Jesus.
- Então por que não criar novos rituais, novos vícios, porque o tradicional, o antigo é bom? Se um dia remoto eram frescuras como bumbum de bebê?
- Quê! Olha o rio já subiu mais de metro. Zénão falando do rio enchido mais cheio.
Acho que Luis se irrita um tanto que não sei com a música. Penso que a música o impede de pensar livremente, não que creia em liberdade, ligando zonas de sentimentos até então abandonadas. E somado a isso um certo beatismo suspeito.
- Ah! a MPB!
- Esqueça a MPB, Luis, você não entende nada.
- Veja bem Zénão, o cara no fundo era pouco para ser filósofo, a gratuidade do talento inicial em nada avançou, senão que em direção de uma certa banalidade, excêntrica, que de partida fez corar seus reprimidos admiradores. Seja, ele não conseguiria sê-lo porque não consegue até hoje desvincular a produção do seu próprio daseim (gargalham), sua (dele) lavoura funciona como um bajulatório ensimesmado com o brilho da sua idéia, não sabia cantar, e nem tocar violão, mandioca cozida, Nescau e mais açúcar para a larica.
- Não, não e não! É mais que isso. Fala Zénão enfático e já de pé pronto pra ir a casinha.
- Eu sei. Esses caras já provaram para mim que cada um de nós tem a sua música, poesia, voz e toda infinidade de atividades que temos e as que ainda podemos inventar. Como não sabiam a canção praticada, não tinham a voz adequada e não sabiam tocar nenhum instrumento, inventaram o próprio modo de tocar, cantar e compor. Hoje já nos acostumamos com eles suas músicas e suas vozes. Disse Luis, querendo agradecer a Zénão.
- Redimido. Isto é criar. Deixe-me devolver este chope. Zénão sondando a bexiga.
- Isso mesmo Zénão, devemos reter o que nos pertence, o resto é do rio. Disse Luis, ouvindo uma música antiga cantada por W.C. que foi trilha sonora da puberdade num episódio digno de se contar, ainda mais que mexe tanto com Luis que o joga pescoço para trás arregala os olhos para o teto e vai girando lentamente a cabeça indo das gelosias passando pelo balcão chegando ao jambolãozeiro e ai deixando cair o queixo no colo. Saindo da somatória de probabilidades de um cérebro agindo só, tentando se livrar da música, de Alécio, de Alvinha, de Joana e do barro da terra roxa socado em meio aos dedos dos pés descalços em dias de não missa ou de subir em patíbulos a homenagear Tiradentes.
Enquanto isso no banheiro, Zénão espera alguém sair. Então (ele) esse alguém sai.
- Não existe nada melhor que uma bela duma mijada! Disse o que saiu.
- Ou eu não sei mijar ou você não sabe trepar! Disse Zénão.lembrando-se da piada do Chic’Oreia. No que o que saiu não achou graça. E Zénão dentro da casinha, lia um cartaz colado na porta, xiiiiiiiii, olha para o teto, xuaaaaaa, olha para ele, olha a espuma, bom também, olha, xuxiiii, mesmo bom, ble, blue, ploft, chacoalha. Junta as pernas separadas. Feche éclair...
terça-feira, novembro 28, 2006
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