terça-feira, janeiro 09, 2007

35. GASTÉREA.

O que se segue, trata-se mais de uma leitura, das ensebadas anotações que Luis carrega e de citações a seu respeito desde que tenta se desamarrar do mastro, que de fato o ato de escrever. Tal me seduz, e ainda que devesse continuar leitor atento volto à: seduz virgula e quanto mais eu leio o Luis que se escreve mais vejo sua parecença com os outros Luisses, escrevo vencido por tal sedução, se não pude apreciar e nem soube me apropriar, ainda que certas leituras nos impregnem mesmo sem havê-las de fato feito, escrevo quando devia ler e Luis que escrevo é assim impregnado do que não se leu, que é o que ficou de fora dos livros escritos, lidos ou não, uma colcha de retalhos feita dos buracos dos lençóis, donde se ignora a clareza do sim e do não, fazendo-se descontente e cheio de cobiça, caro Leitor! Isso é Nietzsche, mas não pense, num Nietzsche lido, sim numa impregnação. o que a um amarra a outro liberta e que quando a porta se abre a prisão é o mundo. E sendo isso irremediável... Segue-se então a história de Luis e suas andanças pelo velho continente, lida por mim, dos seus manuscritos enquanto ele se embriaga de chope. Escrevo.
Luis formou-se em química pela Unicamp fazendo os gostos de José Itaca em memória de Dona Inês falecida do não-parto e do amor de seu marido pelo menino a prescindir do seu. Resumindo Luis tem todos os órgãos aparentes no seu devido lugar, exceto duas coisas, o desvio de septo e a outra trata-se do que todos escondemos ainda que externo, e Luis diz que pelo tamanho tem um pé na cozinha.
Luis. Espere mais um pouco compreensivo leitor. Sabe? Durante estas tantas páginas pensei em fugir do que vem pela frente, para seguir o meu próprio caminho, colocar poesias na sua boca ou abandona-lo como Luis julga que já o tenha feito, mas tenho que salvar Luis da mesa um, antes que esteja tão embriagado, que acabe por ali mesmo ficar, ainda que não mais prescinda dele como personagem. Luis acreditava que química e culinária era o entrelaçamento do mesmo. Sempre se pensou químico-cozinheiro. Cozinheiro intuitivo e químico desleixado o bastante para não impedir o acaso como forma de atingir o impossível. Aterrou numa manhã primaveril friorenta de abril em Barcelona com o bucho cheio de vinho chileno, bebidos nas asas da Lan Chile, sem remorsos quanto ao pai adotivo abandonado.
Luis foi procurar o que chamava o acepipe perfeito. Para tanto criou sua primeira lei,na verdade a exceção da lei. Assim explicitada: Não há fórmula inicial, arestas ou molduras, talvez e senão que nada senão o acaso, como um fóton vindo do cosmo que atinja o cérebro no ponto criador, ou uma convolução construtiva que não dependa de meios externos.
E a nada Luis se furtou na sua caça de subsídios, pois para que a convolução ou o fóton que atingiu a cérebro de Einstein agisse caindo no dele Luis, haveria de ter um ótimo substrato, e assim será a fortuna.
Apaixonei-se definitivamente pela idéia gastro-foto-químico e/ou intuição-convolutiva de procurar o Acepipe. Cometer um acepipe dos sonhos à deusa Gastérea. Então pensava: para tal empresa não sou ainda possuidor do substrato ótimo. Vou ao encalço de Gastérea, ela há de me ajudar posto que é do seu interesse. Onde encontrar Gastérea?
Ela pode estar em qualquer lugar, na alquimia, e a alquimia nas catedrais e as catedrais em toda parte. Luis estará atento a tudo. Sabe que poucos ou nenhuns a viram, talvez Savarin a tenha visto, mas há muito não está em Paris, os deuses não perdoam. Porque perdoar é temer o pecador, antes de nada os deuses não temem.
Gastérea, deusa da alquimia e da gastronomia, o que acaba por ser o mesmo, deu as caras, Luis crê com um tanto de fidúcia, no churrasco de quartos dianteiros de cabrito e lombo de porco, que Aquiles cometeu para e com os amigos de Ulisses. E crê com alguma certeza, quando o mesmo Aquiles transmutado em porca, caçoada favorita do belo deus, incitou o campônio piemontês a comer do tubérculo esbranquiçado, qual os olhos do fazedor, que ela porca chafurdara.
Que Gastérea tenha sido vista uma outra vez nalgum bosque sueco, Luis não tem pia fé no contado, pois tudo fora lhe dito pela memória. Foi vista ainda baralhada a sombras e a forrações de folhas outonais, em cobre e marrom, que faziam uma abóbada invertida, suportada por um arvoredo que anda em busca de seu alicerce no céu de Berlin a alguns metros da porta de Brademburg.
Depois disso a última notícia que Luis tem da deusa é anterior a quaisquer aparições, está ligada ao mistério das catedrais. Um alquimista a teria visto. E lá foi Luis a buscar o desconhecido. E o que consegue, são tais catedrais com seus arcos rampantes sem contrafortes, seus arcos ogivais com intenções verticalistas, e aprende que, o que tem acima tem foços de profundidade idêntica abaixo, tudo no limite da estabilidade, suas plantas planas na forma de cruz latina, sendo um agente didascálico, representa o ser humano, onde o transepto corresponde aos equinócios e os solstícios e o eixo vertical correspondendo aos pólos em relação ao plano do equador. As absides orientadas, sempre ao leste, na direção do sol nascente, os portais sempre ao norte onde aparentemente tudo será escuridão. Guarda ainda na memória portais povoados com símbolos iniciáticos. Recorda de portas a leste onde sói encontrar-se baixos relevos com cenas do juízo universal. Ali sempre ao sul a grande rosácea é vista, deixando-se varar de luz, seu esplendor é um culto a Afrodite. Luis enlouquece com as esculturas. Se pega as voltas com o número quatro. Os evangelistas são quatro. Leão, águia, boi e o anjo. Outro quatro. As quatro estações, quatro pontos cardeais, outros povos acrescem o zênite e seu oposto, quatro fases lunares. Deus fez a lua antes do sol e a luz antes dos astros. A maçã. Tudo isso faz uma verdadeira enciclopédia com sua linguagem das pedras, escondendo o inconsciente coletivo da humanidade.
E como nenhuma ciência se dá por caridade, esta tampouco tem se dado a Luis, tampouco Gastérea ou o acepipe.
O que talvez tais catedrais fazem é eclipsar mais que alumiar, com interpretações tais que um barril vira um forno. E um forno levará à alquimia por transformação termodinâmica. Mas se assim se vê barril, terás um cozimento ou uma fermentação que é um cozimento sem fogo.