quarta-feira, dezembro 27, 2006

34. RESSURECTO.

Ouça o barulho da pia de Luis, que tem os cotovelos enterrados no tampo da mesa e a cabeça pesada pousada entre as mãos enchendo-as como se fora um cálice transbordante dela mesma. Um vai-e-vem. Assunto. Solução. Nuvem de moscardos. A lama cor de chocolate embaixo das unhas. Palito de dentes manicuram. Cabelos alisados por uma emplasta de lama. Peruca loira, dois tons acima do da sobrancelha. A barba crescida um quarto de milímetro, faz lembrar barba de defunto fresco. E a barba sempre cresce. E o morto sempre ressuscita.
Hug! Soluça. Renda. Hugenotes, e notes isso não é bluenotes. Meninas-da-Treze-de-Maio, libertem-se do malcheiroso desodorante barato. Mercaptana dentro de bombinha com desenho futurista vencido.
Alguém (um Glauber, não unglauber, sim glaubst) subido no pára-choque de uma Kombi com um megafone à boca, grita mais alto que este: Estética! Tudo pela estética. Não erraremos nunca. Estética essa é a palavra de ordem.
Melhores condicionadores. Melhores panos melhores. Cortes melhores cosimentos.
Pardelhas! Grita O Glauber.
atenuar diminuir adelgaçar exacerbar assanhar embravear excitar-se acalmar-se sossegar serenar amainar diminuir atenuar sempre o roer da conservação das criaturas passadios, indumentos, bebes, bálsamos, bolus de cachaça, Pingário!
Hahaha! Salário de pinga, pinga salário pingário.

Acalme-se rapaz! Diz de si pra consigo.

Coletivos são plenitudes individuais.


TESES.
Um estado de interesse.
Não um estado de direito. Nem um interesse de estado, tampouco o direito do estado.

Vamos ao que interessa. Deixe-me em paz Napoleão! Grita Glauber
mercado? Alguma alma furtada. Vida? Dissolvida.

- Às últimas conseqüências. Acredita Luis. Livre arbítrio? Um Glauber.

Partidos, só tidos por par.

Estética. Não a regressão à publicidade risível.

Geopolítica. Se um viajante numa noite de luar viu o sul virado para o norte, quem diria que o sul é para baixo?
Mercartor...
Deus?
Que não o transformem em biscoito.

Deus do céu!
Eu é que não existo, assim sendo não sei o quê sou. Não sou um quê.

Sincronia.
Não-destruir para subsistir.





Preguiça consumada.
Preguiça culposa, ócio laborioso

Pequenas não-soluções para o dia-a-dia.

Caixa de supermercado para quem têm um cartão de crédito com crédito e não esquece a senha.
Caixa de supermercado para quem têm um cartão de crédito que talvez tenha crédito e um outro para quem costuma esquecer a senha.
Caixa de supermercado para quem tem mais de um cartão de crédito-verifique-qual-deles-tem-crédito-disponivel. Senhas anotadas nos cartões.

Canícula. Chove pra cachorro.
Dia de cão. Faz calor de engrossar pescoço.
Proibido. Conduzir pela direita. Exceto nas ultrapassagens.

33. Juízo.

Laura estava dentro do cristal de um vitral, melhor dito, estava dentro da própria luz que o varava. A luz a forçava a baixar a cabeça à fugir os olhos da luz. Também assim a luz a cegava. Então cerrava os olhos. Ainda assim a luz a cegava. Quer responder a uma pergunta que não foi feita. Tartamudeia ao responder: sim sou o que sou. Agora a luz parece mais leitosa menos aguda e tépida. como se estivesse dentro de um copo-de-leite cheio de leite que permitisse a ela levantar a cabeça e abrir os olhos, mas ela nada vê senão que o leitoso branco dentro dos olhos sendo os próprios olhos lácteos. Não ouve perguntas ela não pensa em respostas, nem o pensamento existe, apenas o leite por toda parte, parece não lembrar de nenhuma pergunta mas ela responde lentamente: sim, também. Os séculos passam entre uma não-pergunta e outra. A luz se apaga lentamente. O branco abruma demoradamente. Imêmore. Completamente.

32.VAZANTE

Luis está bêbado, quer mudar de assunto. Feia insiste em fingir não vê-lo, Mércia se esforça em mostrar mais do que por sabedoria se quer ver. A musa Isabelissima está com o Ente. Hermítio lê. Ledório lê. Sr. Pavão está feliz, as suas meninas felizes, seu futuro genro presentemente feliz. Seu Ademar e Aluno estão felizes com as lágrimas derramadas e as cachaças bebidas aumentadoras de toda sensibilidade. Edmilson e sua mulher e os acompanhantes todos felizes, quase tem a crônica, pronta. Mércia e Belmigo? Nem tanto. Ele está zeloso de pernas cruzantes descruzadoras. O Ente beija Isabellle. Todos os outros falam sobre a enchente.

31.Reintroibo.

De volta ao lar. Luis sem planos. Luis sem Laura. Luis.
- Já que não podemos sair daqui então...
- Então o quê? Falou Zénão.
- O chope falecido? Pergunta Luis.
- Faltoso!
- Ausente!
- Alheio!
- Distraído!
- Desatento! Fala Zénão fechando o pinga-fogo.
- Belmiroooô! Gritou Luis, já que o atraso é de lei.
- Que foi comeu sal, não dá pra esperar? Fala Belmiro mais perto que se esperava, quase intrometido.
- Sal não, ostra e bacalhau! Luis.
- E a que esconde a beleza? Pergunta Zénão.
- Conto-te já, ela a figura sem tristezas aparentes quis saber quem eu era! Disse Luis. Sério.
- E você? Que disse?
- Deveria haver dito que era um caracol que carrega a casa, a origem, mas disse que não sabia, e que tenho medo de saber, e saber que não tenha afinal tanto controle do que sou ou penso que sou e que são décadas de uma edificação sem fim. Agora que fui lá novamente pareceu-me zangadamente acessível. Mas meu cheiro estava lhe incomodando!
Luis ainda crê que mulheres não têm metafísica. Têm sabedoria e sabedoria é uma raiz que afunda na terra em busca de folhas, flores e frutos, cada qual no seu tempo. Luis quer florescer no inverno, no outono e acaba por ficar meio encruado na primavera.